Reivindicação

A voz dos surdos

Grupo de surdos de Pelotas quer a instalação de uma Central de Intérprete de Libras para acessar serviços públicos básicos

Paulo Rossi -

Ao invés de palavras, gestos. No lugar do amparo, a dificuldade. Assim sentem-se os surdos na maior parte das tentativas de acessar serviços públicos em Pelotas. Sem se fazer entender, perde-se o sentido de ser atendido. Esta é a realidade de cerca de cinco mil moradores do município, estima a Associação de Surdos de Pelotas (ASP). Desde o ano passado, a comunidade está em negociação com a prefeitura para a implementação de uma Central de Intérprete de Libras, a Língua Brasileira de Sinais. A prefeitura prepara um grupo de trabalho para operacionalizar e projetar a central, que ficará a cargo da Secretaria de Assistência Social ou da Secretaria de Saúde. Uma das principais bandeira nesse 26 de setembro, Dia Nacional dos Surdos.

Nos atendimentos, um costume: sempre acompanhados de um amigo ou um familiar. Ao acompanhante cabe relatar um ocorrido, explicar um sintoma a um médico. O que se torna um problema no que diz respeito à privacidade e à independência dos surdos. Algumas informações deixam de ser repassadas por receio ou resignação com a presença de um conhecido. Além disso, às vezes as informações não chegam completas ao destino final.

“É muito difícil o médico entender a intensidade da dor que estamos sentindo numa consulta médica, por exemplo”, comenta Marceli Paveglio, surda e estudante de Libras na Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

As dificuldades
A reportagem acompanhou os surdos em dois locais: na UPA da Ferreira Viana e na Delegacia da Polícia Civil na rua Professor Araújo. Os dois locais são vistos como simbólicos por serem utilizados em momentos de emergência e de grande necessidade de atendimento.

O presidente da ASP, professor universitário Daniel Romeu, aponta para a falta de um letreiro e de senhas com números para facilitar a acessibilidade na UPA. As pessoas são chamadas para uma consulta prévia de classificação de risco pelo nome. Uma enfermeira abre a porta e grita na recepção o nome do paciente. “Como vamos saber que é para nós? Não tem um número, um sinal indicando, um letreiro informativo com um número”, protesta através da intérprete.

O médico responsável pela Unidade de Pronto Atendimento na Ferreira Viana, José Leontino, diz que já passou pelo menos duas vezes pela situação de dificuldade em atender pacientes surdos no local. “Eu senti essa dificuldade, mas que foi menor pelo paciente estar acompanhado de um familiar”, comenta. O problema, manifestam integrantes da comunidade surda, trata-se justamente disso: a precisão de um diagnóstico, além da independência. “Tem coisas que eu quero falar para o médico mas não quero comentar com um familiar que me acompanha. Como um surdo pode fazer psicoterapia? Não é com a presença de um conhecido”, gesticula Jean Michel Farias, funcionário público e ex-presidente da ASP. O presidente Daniel Romeu comenta de uma amiga surda, que sofreu um AVC e conseguiu rápido diagnóstico no Pronto-Socorro de Pelotas graças à presença de um intérprete. “Se não tivesse um tradutor, poderia ser diagnosticada como uma dor de cabeça”, sugere.

O mesmo problema e a dificuldade são relatados na Delegacia de Pronto Atendimento da Polícia Civil de Pelotas. O comissário Sérgio Carpena também diz sentir esta dificuldade, apesar de ser uma minoria no número de atendimentos. “Nestes casos eles sempre vêm acompanhados de um familiar, mas existe sempre essa dificuldade”, manifesta.

Central de Intérprete de Libras
Na proposta da associação, a prefeitura ficaria responsável por criar uma equipe de tradutores e intérpretes de Libras para intermediar a comunicação. A medida se faz necessária para que esta população tenha, efetivamente, acesso a serviços e bens públicos. Conforme houvesse necessidade em algum ponto da cidade, um tradutor se deslocaria para auxiliar na comunicação. Recentemente, membros da prefeitura e do Conselho de Pessoas com Deficiência e Altas Habilidades visitaram a Central de Intérpretes de Libras de Alvorada, na Região Metropolitana de Porto Alegre. No município, com menos de 200 mil habitantes, houve em torno de 270 pessoas atendidas em três meses.

Os principais atendimentos dizem respeito a ajuda em informações, acompanhamentos de saúde, atendimentos na área social e envolvendo programas sociais, atendimentos jurídicos, de perícia no INSS e tradução de textos. Para ter o serviço, o surdo deve agendar por telefone, e-mail ou presencialmente na Central. Todos os usuários são cadastrados num sistema e os atendimentos registrados pela prefeitura local, explica a presidente do Conselho de Pessoas com Deficiência, Brandine Oliveira. Quem trata do assunto dentro do Executivo é a secretária de Governo, Clotilde Victória. Uma reunião entre ela e as secretarias de Saúde e Assistência Social nesta semana vai definir em qual pasta ficará lotada a central. “A partir desta decisão, partiremos para a primeira reunião de trabalho com segmentos envolvidos, associação, conselho, para construir o projeto em conjunto”, estabelece a secretária de Governo. A central, opina, dará acessibilidade aos serviços públicos à comunidade surda. Pelo programa nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, lançado em 2011, as centrais têm a política de inclusão para garantir a autonomia das pessoas surdas em órgãos como delegacias, atendimentos jurídicos, hospitais, Cras e agências bancárias, por exemplo.

(*) Esta reportagem e as entrevistas foram possíveis graças à ajuda da tradutora e intérprete de Libras Rubia Aires.

 

 

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